quinta-feira, março 03, 2005

Ainda o estudo de caso

Pode parecer que desvalorizo a organização da investigação em estudo de caso. Mas a minha preocupação é mais com a necessidade de reflectir sobre a abordagem metodológica que é feita ao problema de investigação do que propriamente valorizar ou desvalorizar qualquer opção. O que sucede é que essa reflexão (que se torna absolutamente necessária) não transparece muito na investigação que lemos.
Vale a pena lembrar que nunhuma escolha dos participantes na investigação (ou da amostra, como algumas pessoas preferem falar) pode ser separada (nem é independente) das considerações teóricas (e, especificamente, do quadro teórico) que dão forma à investigação. Esta é uma das articulações fundamentais do campo teórico com o campo empírico. Mas (como dizem Brown & Dowling) a medida em que o campo teórico explicitamente opera na construção da amostra varia de situação para situação de acordo com o próprio quadro teórico, com o problema, com o contexto da investigação e com os seus objectivos. E é por isso que surge como pertinente o conceito de unidade de análise - o objecto que é suposto ser descrito em termos das variáveis da investigação. Quando, ao estudar as práticas do professor na avaliação das aprendizagens dos alunos, digo que a unidade de análise é "o professor em acção utilizando artefactos para avaliação" estou a caracterizar o objecto da análise que vou fazer mas ao mesmo tempo crio constrangimentos para a selecção dos participantes nessa investigação (e é fundamental criar constrangimentos que iluminem uma escolha criteriosa dos participantes). Ao optar por observar um conjunto de professores trabalhando numa escola (em grupo, com os seus alunos, nos conselhos de turma, etc) com vista a analisar as suas práticas de avaliação, começo a ter possibilidade de definir as formas de recolha de dados. Mas até este ponto não precisei de dizer "vou fazer um estudo de caso" ou "vou fazer três estudos de caso". É possível que essa forma de organização da investigação através de estudo de caso se venha a revelar uma forma adequada para eu organizar o meu trabalho, mas há muitas questões a montante dessa como referi. Como autor da investigação é muito possível que para mim, e para a minha investigação, algum ou alguns daqueles professores se revelem "casos críticos" (na minha análise) mas isso acontecerá numa fase posterior da investigação.
É por isto tudo que a questão que muitas vezes assalta as pessoas que estão a começar a planear a sua investigação e (me) perguntam "será que isto é um estudo de caso?" não é mais que uma pergunta escolar. As pessoas fazem-na porque acabam por ser induzidas na necessidade de encontrar um rótulo para a sua investigação (o que não passa de um mito) e isto é muito o resultado de uma escolarização (e curricularização) das metodologias de investigação (em cursos como este). O estudo de caso é de facto muito constituído nas práticas de ensino de metodologias de investigação e não pode ser considerado de facto uma abordagem metodológica. No contexto de uma investigação específica, o caso pode ser visto simplesmente como uma forma de descrever o modo como foi feita a selecção dos participantes (ou da amostra, como alguns preferem dizer).

terça-feira, março 01, 2005

Estudos de caso: uma questão de rótulo?

É uma das questões mais intrigantes nalgumas instituições em que se faz investigação em educação no âmbito de programas de pós-graduação em Portugal. De repente, centenas de estudos de caso. Assim. No caso da Didáctica da Matemática a situação é paradigmática. E encontramos uma quantidade assinalável de "estudos de caso" sem caso ou em que o caso não é mais que um participante que o autor ou autora do trabalho analisou sob um determinado ponto de vista. Não mais que um trabalho de natureza interpretativa (ou qualitativa, se se quiser).
Porquê estudo de caso? O que se ganha em colocar uma etiqueta como essa no estudo?
Percebo a lógica inerente à necessidade de dar alguma caracterização ao estudo (sobretudo num trabalho académico). Mas isso deve ser feito com seriedade, e com reflexão, e sempre em relação à problemática escolhida, às questões de investigação formuladas e ao campo empírico em que a investigação decorre. A justificação mais que saturada de que "se trata de responder aos como e aos porquê" herdada de Bogdan e Biklen de há 20 anos (e repetida exaustivamente nas dissertações) não justifica nada, não fundamenta, é uma caixa negra, não diz nada de relevante que de facto fundamente.
Subscrevo cada vez mais com grande intensidade a posição de Brown e Dowling quando afirmam que não existe tal coisa chamada "estudo de caso" como metodologia de investigação. Trata-se isso sim de uma forma de organizar a investigação que pode dar jeito e pode não dar.
Mas continuaremos a referir-nos aos "estudos de caso" (sem no entanto os confundir com os case studies no sentido que os anglo-saxónicos os entendem - ver por exemplo Fun with Grapes: a case study) e a analisar sobretudo a sua qualidade como investigação. E a este propósito é importante notar como a qualidade dos estudos de caso entrou num preocupante plano inclinado (tantas vezes sem um quadro teórico, apresentando análises demasiado superficiais e guiadas exclusivamente pelo senso comum do autor ou autora, sugerindo resultados e conclusões que não têm evidência nos relatos apresentados) mas que são sucessiva e cegamente adoptados como modelos por quem vem atrás. Preocupante de facto.

Para além de um olhar sobre vários manuais de investigação em educação para perceber de que se fala quando se fala de Estudo de Caso (ou Case Study), vale a pena visitar a Wikipedia a este respeito. Voltaremos aqui.